
Protestantismo
O Gás que Alimentou a Revolta: As Forças Ocultas por Trás de Martinho Lutero
Comunidade Ignis
30 out. 2025
Tempo de leitura: 4 minutos
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Quando Martinho Lutero afixou suas 95 Teses na porta da igreja de Wittenberg (1517), o mundo ocidental já se encontrava saturado de tensões. O século XV havia assistido ao colapso da unidade cristã medieval — não apenas pela corrupção de costumes, mas pela emergência de um novo espírito antropocêntrico, fruto do Renascimento humanista e das disputas políticas entre príncipes e Papado.
A Reforma luterana não nasceu, portanto, do nada. Foi, antes, o fruto maduro de um processo de decomposição intelectual e moral que atingia tanto a Igreja quanto a Cristandade. Santo Agostinho já advertira: “Toda corrupção começa por uma desordem no amor” (cf. De Civitate Dei, XIV, 28). O amor desordenado pela liberdade e pela autonomia — que começava a marcar o homem renascentista — foi o “gás” que inflamou Lutero.
O Humanismo renascentista, ainda que tenha produzido obras de beleza incomparável, trouxe consigo a semente da autossuficiência racional. Inspirado em autores clássicos pagãos e em um retorno filológico às fontes, muitos humanistas — como Lorenzo Valla e Erasmo de Roterdã — começaram a aplicar à Sagrada Escritura os métodos da crítica textual usados na literatura antiga.
Erasmo, em particular, foi o precursor intelectual de Lutero. Sua “Philosophia Christi” defendia uma espiritualidade interior, despojada de formas exteriores e hierarquias. Lutero bebeu dessa fonte, radicalizando-a até romper com o Magistério. Como nota o historiador católico Jean Guiraud, “Lutero apenas levou às últimas consequências as ambiguidades que Erasmo semeou” (¹).
O sucesso de Lutero não se deve apenas à teologia, mas à astúcia dos príncipes alemães, especialmente Frederico, o Sábio. Estes viam na contestação a Roma uma oportunidade política de consolidar sua autonomia em relação ao Imperador e de reter os bens eclesiásticos. O protestantismo foi, assim, o instrumento perfeito de uma revolução política disfarçada de piedade.
O historiador Hilaire Belloc afirma:
“A chamada Reforma foi, em grande parte, uma revolta de governantes desejosos de confiscar os bens da Igreja e de reduzir a fé à medida de seus interesses temporais.” (²)
A “liberdade religiosa” luterana era, portanto, uma máscara para a submissão da religião ao Estado, prenunciando o cesaropapismo moderno. Lutero, que imaginava libertar a consciência cristã, tornou-se instrumento da política territorial germânica.
A figura de Lutero revela também uma profunda crise interior, típica do homem moderno. Seu escrúpulo doentio e sua visão pessimista da natureza humana — marcada, segundo ele, por uma corrupção total e irremediável — o levaram a rejeitar a doutrina católica da graça cooperante. Santo Tomás de Aquino ensina que “a graça não destrói a natureza, mas a eleva” (S.Th., I, q.1, a.8). Para Lutero, porém, a natureza era totalmente escrava do pecado, e a fé, um mero ato de confiança subjetiva no perdão divino.
Essa visão desesperada e individualista — filha de um mundo em crise — encontrou terreno fértil em uma Alemanha esgotada espiritualmente e em uma Igreja fragilizada por escândalos e tibieza clerical. Como observa o Cardeal Joseph Ratzinger, “a verdadeira crise da Reforma foi antes uma crise de fé, que se transformou em crise eclesial” (³).
Antes de tudo, Lutero foi filho do nominalismo — a corrente filosófica que, ao negar a existência dos universais, dissolvia a objetividade da verdade. Seu mestre, Guilherme de Ockham, havia preparado o terreno: se não existem naturezas universais, resta apenas a vontade arbitrária — tanto a de Deus quanto a do homem.
Dessa matriz decorre a teologia luterana da “justificação pela fé somente”: o homem não é transformado pela graça, apenas declarado justo por um ato soberano da vontade divina.
Assim, o “gás” que inflamou Lutero foi, antes de tudo, metafísico: a ruptura entre fé e razão, entre natureza e graça, entre liberdade e verdade.
A Reforma luterana, embora revestida de intenções espirituais, foi a explosão de forças antigas e latentes: o nominalismo filosófico, o humanismo autônomo, o orgulho político e o cansaço moral de uma Europa em transição. O “gás” que Lutero respirou e liberou foi o mesmo que alimentaria as revoluções subsequentes — do racionalismo iluminista ao marxismo materialista —, todas herdeiras da mesma rebelião original: a recusa de submeter a razão e a vontade à Verdade encarnada.
“Quem não tem a Igreja por mãe, não pode ter Deus por Pai.” — Santo Cipriano de Cartago (De unitate Ecclesiae, 6)
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