
Santos & Mártires
São Valentim: O Mártir do Amor Esquecido pelo Mercado
Comunidade Ignis
13 jun. 2025
Tempo de leitura: 4 minutos
COMPARTILHE:
A história de São Valentim está profundamente entrelaçada com a defesa heroica do matrimônio cristão. No século III, sob o imperador Cláudio II, o casamento era proibido para soldados romanos, pois se acreditava que a vida conjugal enfraquecia a disciplina militar. Valentim, sacerdote da Igreja de Roma, movido pela caridade pastoral, desobedecia secretamente ao édito imperial e celebrava matrimônios cristãos.
Este gesto, que para o mundo era subversivo, era para a Igreja um verdadeiro testemunho do sacrum connubium — o sacramento que une homem e mulher como imagem da união esponsal entre Cristo e sua Igreja (cf. Ef 5,25-32). Ao ser descoberto, Valentim foi preso, torturado e decapitado em 14 de fevereiro do ano 269.
Na prisão, segundo a tradição, converteu guardas e curou a filha cega de seu carcereiro, deixando-lhe um bilhete assinado: “Teu Valentim” — origem da expressão popularizada nas culturas anglófonas. Porém, para além da ternura romântica, seu gesto foi martírio eucarístico: ofereceu sua vida para que o matrimônio cristão fosse preservado.
A Teologia do Amor em Valentim: Amor como Doação e Sacrifício
Valentim não é patrono de um "amor sentimental", mas mártir da verdade antropológica revelada em Cristo: o amor humano só é autêntico quando é oblativo, casto e ordenado à comunhão de vida.
O casamento, segundo a teologia tomista, é não apenas um contrato natural, mas um sacramento elevado por Cristo (cf. STh, Suppl., q. 42-49). E como tal, é indissolúvel, fecundo e santificador. Ao desafiar o decreto de Cláudio II, Valentim não estava lutando por “liberdade afetiva”, mas defendendo a vocação natural e sobrenatural da família cristã.
Seu martírio, portanto, é resposta ao paganismo imperial que queria instrumentalizar o corpo e dissolver o vínculo esponsal — uma luta que ecoa nas ideologias contemporâneas que negam a natureza do matrimônio, do corpo e da geração.
Do Martirológio à Marginalização: O Esquecimento do Santo pela Cultura de Mercado
No Brasil, o dia 14 de fevereiro passou a ser ignorado não por conflito litúrgico, mas por estratégia comercial. Em 1949, o publicitário João Agripino da Costa Doria Neto (pai do ex-governador João Doria) foi contratado pela loja Clipper para criar uma data que incentivasse o comércio em junho — mês de fracas vendas.
Inspirado no modelo americano, mas afastado de sua origem religiosa, Doria propôs o Dia dos Namorados em 12 de junho, véspera da festa de Santo Antônio, popularmente associado aos casamentos. Mas a motivação não era devocional: era puramente mercadológica.
A campanha usava o slogan: “Não é só com beijos que se prova o amor” — apontando para o consumo como forma de expressão afetiva. O gesto, aparentemente inofensivo, foi na verdade uma substituição cultural: trocou-se o martírio de um santo pelo fetiche do presente. O matrimônio-sacrifício foi eclipsado pelo namoro-consumo.
Efeitos Antropológicos: O Amor Sem Cruz
A mudança da data no Brasil revela algo mais profundo: a secularização do amor. A sociedade moderna, moldada por um hedonismo difuso, já não compreende o amor como entrega sacrificial, mas como experiência de prazer subjetivo.
Esse deslocamento tem consequências diretas:
Redução do amor a sentimento passageiro;
Dissolução do compromisso conjugal;
Idolatria do prazer desvinculado da responsabilidade;
Substituição da aliança pelo contrato.
O resultado é uma cultura em que o amor é “celebrado” com jantares e perfumes, mas separado de qualquer referência à Cruz — a única escola verdadeira de amor.
Redescobrir Valentim: Um Martírio Contra a Cultura do Desejo
Celebrar São Valentim é resistir a essa falsificação moderna do amor. Sua figura convida os cristãos a redescobrirem a beleza e a exigência do matrimônio como vocação divina, como caminho de santificação, e como testemunho público da fé.
Ele é patrono não de um romantismo florido, mas de casais dispostos a amar até o fim, como Cristo: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Assim o fez Valentim: deu sua vida por aqueles a quem unia em nome de Deus.
Esquecer São Valentim e instituir o "dia dos namorados" por razões de consumo é mais que uma jogada de marketing: é o espelho de uma civilização que perdeu a noção do amor verdadeiro. Recuperar a memória do santo mártir é mais que uma devoção — é um ato de resistência espiritual e cultural. Em um tempo que adora o efêmero e ignora o eterno, o sangue de Valentim clama: “O amor é forte como a morte” (Ct 8,6).
São Valentim, mártir do matrimônio e da verdade, rogai por nós!